Cibercultura - Reflexões sobre uma nova cultura

 


A Cibercultura é um fenômeno contemporâneo nunca antes experimentado pela sociedade como um todo, mas o que é realmente a cibercultura? Esse é um conceito extremamente amplo que traz uma mudança cultural gigantesca para a sociedade. Se torna quase impossível discutir todas as questões envolvidas no assunto à medida que não temos ainda uma concepção firme das suas implicações.

Pierre Levy
Na concepção de Pierre Levy, um dos maiores estudiosos da área. A cibercultura é um conjunto de técnicas, materiais e intelectuais que se desenvolvem dentro de um ciberespaço. Ela é um fluxo de ideias, ações e representações entre pessoas conectadas a uma rede.

Com o avanço das redes e o crescimento exponencial desse ciberespaço esse conceito ganha cada vez mais poder dentro da nossa sociedade. Representado pelos celulares que adentraram dentro das nossas casas de uma forma exponencial, as redes se tornam cada vez mais algo do cotidiano, com a qual as vezes se torna até complicado viver distante dela. Estamos nos tornando "ciberhumanos". Não ciberhumanos como nos filmes ou como o Cyborg das histórias em quadrinhos, mas ciberhumanos no sentido de que cada vez mais o espaço cibernético é uma parte essencial daquilo que somos.

Os jovens são uma representação forte desse conceito. Hoje eles estão experimentando uma forma de comunicação completamente nova. Uma forma de comunicação introduzida em tempo recorde se pensarmos na sociedade como um todo. Pois, essa mudança ocorreu em questão de uns dez ou vinte anos. Diferente do passado onde as mudanças aconteciam lenta e gradualmente. Esse talvez seja mais um fenômeno introduzido pela cibercultura. Aquilo que o próprio Levy chama de desterritorização. Afinal, hoje os jovens não precisam mais ficar preso a um círculo limitado de referências, podendo ter contatos até mesmo fora do país. Seja isso bom ou ruim.

Mas vamos organizar um pouco melhor as ideias.

Que fique claro que o ciberespaço e a cibercultura não é um fenômeno atual. Essa cultura vem se modelando desde os anos 70 com a criação dos primeiros microchips, porém esse modelamento ainda assim seguia uma limitação espacial própria da época. Com o crescimento da globalização e finalmente com o boom dos celulares atuais, a cibercultura ganha uma proporção nunca experimentada na humanidade. Alguns de nós ainda lembra de 20 anos atrás, dos celulares de flip pesados e com antenas enormes. Os jovens de 16 anos de hoje já não sabem mais o que isso significa.

A ideia de desterritorização não é um fenômeno da cibercultura propriamente dito.  Este é um conceito que aparece na globalização com o intuito de aproximar principalmente o mercado de trabalho que acabou por ser incorporado pelos usuários das redes domesticas.

Esse boom trouxe uma mudança cultural gigantesca, influenciando todas as esferas da sociedade. Forçando pelo menos a maior parte da sociedade a uma adaptação ao novo mundo. Mas também trazendo inúmeras questões que nós como espécie nunca havíamos enfrentado.  Novos paradigmas, novas angustias, ideias com as quais a sociedade agora necessita lidar e compreender. O mundo físico agora começa a ser colocado em cheque.

Os jovens hoje em alguns casos já descartam o mundo físico para uma ampla gama de atividades, pois, as redes possibilitam esse movimento. Experiências extra territoriais. Hoje podemos visitar um museu na França sem sair do nosso quarto. Mas, isso nos faz cada vez mais dependentes, chegando ao ponto de não conseguirmos mais nos separarmos. Em alguns casos até mesmo somos dominados por ela.


            Cria-se dessa forma um tipo de "realidade virtual" onde cada vez mais parece que o ciberespaço é o mundo verdadeira, de relacionamentos, lazer, as vezes até trabalho. Enquanto que o mundo físico se torna uma espécie de subrealidade da qual precisamos frequentar esporadicamente, em alguns casos até contra a nossa vontade. Essa separação das duas "realidades" nos traz inúmeros questões simbólicas, culturais e até mesmo sociais.

Essa realidade virtual nos traz um tipo de "ciberdemocracia" parafraseando Pierre Levy. Está, talvez uma das formas mais igualitária de democracia, pois, agora todos tem possibilidades de terem voz, basta ter um celular, é possível dialogar sobre qualquer coisa a qualquer momento. Este talvez seja um dos principais pontos positivos desse novo mundo cultural. Porém, em contraparte essa "ciberdemocracia" traz para a luz a nossa pior face, à medida que a sociedade desde sempre vive uma briga infinita entre o saber e o acreditar. Sendo o primeiro o conhecimento adquirido na relação experiência-educação e o segundo aquilo que nós acreditamos que sabemos.

Mundo virtual X mundo real

Por exemplo, nós sabemos como é jogar uma partida de futebol à medida que entramos no gramado e sentimos o que é estar lá, mas podemos acreditar que sabemos o que é isso através de uma representação da situação em nossos vídeo games, celulares e computadores. 

Essa concepção nos mostra uma relação cíclica entre mundo físico e mundo virtual. Uma relação que deveria ser experienciada da maneira mais equilibrada possível. Aqui utilizando a palavra equilibrada no sentido de intercalar entre ambas. Não tendendo mais para um lado ou para o outro. Mas, como conseguir esse "meio termo" em um mundo que acelera cada vez mais.

Essa questão nos leva de encontro com a relação entre a educação e a cibercultura. A educação hoje precisa encarar o desafio de trazer para seu cotidiano a cibercultura. Não a excluir, mas utiliza-la no intuito de ensinar o caminho para que nossos filhos possam usufruir dela da melhor maneira possível. Hoje se fala muito em "fake news", não que isso seja um fenômeno recente, afinal manipulação politico-ideológica existe desde que a sociedade nasceu, porém, a cibercultura maximizou esse processo à medida que mantem um leque gigantesco de informação. Porém, informação e conhecimento não é a mesma coisa. O papel da educação é ensinar os jovens a transformar todo esse poder informacional em conhecimento.

Inúmeras vezes excesso de informação é quase tão ruim quanto não ter nenhuma se não temos a capacidade de transformar essa informação em algo útil. Acabamos por nos cegarmos, ou até mesmo agindo tendenciosamente.

O problema que se ergue para a educação não é uma guerra contra a nova cultura vigente, mas sim uma forma de ensinar nossos alunos a usufruir dela. Nesse sentido entramos em mais um dilema, nós sabemos usá-la? Quer dizer nós como adultos, jovens-adultos sabemos realmente utilizar as redes de uma forma proveitosa? Ou simplesmente estamos cegos frente a tanta informação sem termos habilidades ou ferramentas para filtra-las. Se nós como adultos, pais, professores não conseguimos filtra-las para darmos exemplos a nossos alunos e filhos, como poderemos ensina-los?

Uma nova forma de educação


Pierre Levy também traz o conceito que ele chama de inteligência coletiva. Ou seja, a internet como democracia igualitária está migrando para uma forma de inteligência homogênea e única. Pela primeira vez na história todos tem oportunidade de falar e serem ouvidos. A questão é, somos realmente ouvidos? Quero dizer a oportunidade está aí, a possibilidade é inegável. Mas ainda assim há uma minoria que se ergue como principais influencias nas redes, e essa minoria não houve uma maioria que ganha seus quinze minutos de fama geralmente através de humor e humilhação.

Isso gera uma nova tendencia social. De um grupo de pessoas que faz tudo que pode e que não pode. Muitas vezes gastando o que tem e o que não tem em uma corrida desenfreada por curtidas. Acarretando um novo problema social do tipo posto logo existo. Essa corrida desenfreada acaba por gerar uma exclusão como o grupo daqueles que não conseguem participar dela.

Se parar para pensar esse fenômeno se torna muito parecido com a nossa forma de capitalismo selvagem que vemos nas empresas e industrias. Sim, o ciberespaço está cada vez se tornando mais um produto do capitalismo selvagem, que cada vez mais migra do mundo físico para o mundo virtual. De tal forma que pressiona nossos jovens principalmente, a entrarem nessa corrida angustiante. E aqueles que não fazem parte dessa corrida ou são excluídos do mundo "moderno" ou acabam por terem que se contentar com empregos cada vez mais desvalorizado.

Mas e a educação? E as vantagens das redes? E a informação?

As redes nos dão as possibilidades de informação infinita. Até mesmo de um aprendizado mais dinâmico, à medida que nos dá a possibilidade de interagir e de darmos nossa opinião sobre tais questões. Porém, o principal desafio da educação é dar suporte a utilização de maneira construtivo dessa ferramenta. A internet precisa ser vista como uma ferramenta para a educação. E os professores e pais precisam apreender a utilizar essa ferramenta em benefício de seus alunos e filhos.

A geração que teve que enfrentar a transição entre um mundo mais lento e esse mundo acelerado, entre o mundo do jogar bola na rua, para o mundo do vídeo game ainda encontra muita dificuldade em lidar com essa mudança, em se adaptar. Criando assim uma certa dificuldade em se colocar como guias da nova geração. Afinal não podemos ensinar aquilo que não sabemos. Isso joga nas nossas crianças e nos nossos jovens um peso gigantesco de ter que aprender por si próprios a lidar com um turbilhão de informações, de mudanças e de uma aceleração constante. Além disso há a pressão pelo novo modo de vida, “posto logo existo”.

Então a cibercultura possui inúmeras vantagens e possibilidades. Mas ainda parece que são possibilidades para o futuro. Pois, nesse momento ainda não sabemos como lidar com essas mudanças. Engessamos essas possibilidades espelhando nela um sistema falido como o nosso sistema político-econômico. A tão sonhada "ciberdemocracia” e “inteligência coletiva” de Pierre Levy acaba por se perder frente a imposição do sistema e dos poucos que ainda mantem o controle dos muitos.

A internet deveria ser vista como uma ferramenta para virar essa balança. A internet nos faz enxergar um mundo novo, um caminho novo, rico de possibilidades. Mas, se não mudarmos nossa mentalidade, senão estivermos abertos para que o novo entre. Se continuarmos engessando o novo através de sistemas ideológicos falidos e antiquados. Tornamos a cibercultura só mais um movimento de vanguarda que será substituído por outro futuramente, como vimos inúmeras vezes durante nossa história.


Referências:

https://ojs.latinamericanpublicacoes.com.br/ojs/index.php/jdev/article/view/77/69

https://edisciplinas.usp.br/mod/glossary/showentry.php?eid=1866#:~:text=A%20cibercultura%20%C3%A9%20a%20cultura,as%20comunidades%20virtuais%20se%20constituem.

https://posdigital.pucpr.br/blog/pierre-levy

Referências das imagens:

https://ieducacao.ceie-br.org/interatividade/

https://ieducacao.ceie-br.org/formacaodocente/

https://pt.pngtree.com/freebackground/human-brain-versus-cyber-brain-concept-science-design-photo_10926432.html

https://pierrelevyblog.com/2021/03/26/gigantes-da-web-sao-novo-estado-diz-pierre-levy/


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